quarta-feira, 3 de dezembro de 2014


“A minha guerra”… em Angola
Fiz parte do Batalhão de Caçadores 3880/Companhia Caçadores 3535, como Furriel Mecânico. A minha Companhia embarcou no Aeroporto de Lisboa - Figo Maduro, no princípio da noite do feriado de S.º António, no ano de 1972 na capital lisboeta, a bordo de um Boeing dos TAM, recentemente adquiridos pelo Governo de Marcelo Caetano e postos ao serviço das Forças Armadas…
No dia seguinte pela manhã, Luanda causou-nos impacto forte na sua terra de cor vermelha e o casario que se via lá em baixo antes de aterrarmos. Luanda era uma cidade fervilhante de vida e movimento. Ficamos dois ou três dias no Grafanil e depois em coluna avançamos para o Aquartelamento de Zemba em pleno coração dos Dembos, onde estivemos durante treze meses antes de rodarmos para a fronteira Norte, mais propriamente a zona Operacional de Maquela do Zombo.

Em termos operacionais no primeiro ano em Zemba, os nossos operacionais fizeram o seu trabalho de contenção e controlo dos “guerrilheiros” que naquela zona estes operavam, embora de forma quase dissimulada no nosso dia-a-dia. A guerra estava numa fase de impasse e começávamos a ficar cada vez mais despertos para a resolução deste conflito pela via política, decisão que como sabemos nunca foi posta em prática por Marcelo Caetano, se calhar muito mal aconselhado pelos seus colaboradores em Lisboa.
As nossas tropas tinham uma preocupação permanente de tratar bem as populações que habitavam na zona operacional, sempre que possível e salvaguardando os níveis de segurança dos nossos militares em ação no terreno. Não tivemos baixas em combate, (apenas um ferido grave, por ter pisado uma mina antipessoal), mas um acidente com um TECO - TECO, um pequeno avião que fazia o reabastecimento de alimentos perecíveis, ao nosso aquartelamento que na sua queda ao levantar voo da nossa pista junto ao aquartelamento, causou a morte do piloto, do nosso Capelão e de um militar 1º Cabo Analista das Águas), na ida de regresso para Luanda!

Na minha área da Mecânica tive a oportunidade de participar nas colunas de reabastecimento dos materiais auto e conhecer outras vilas e lugares em que a administração colonial tentava que se vivesse dentro da normalidade possível. Quibaxe, Vila Viçosa, Quitexe, S.ta Eulalia e depois na rotação para Norte, Uíge (Carmona), Negaje, Damba e finalmente Maquela do Zombo, reforçaram a nossa impressão de uma terra em termos geográficos, de grandeza incomparável com a da “Metrópole”, portuguesa. 

De férias no primeiro ano em Julho de 1973, fui de autocarro desde Luanda até ao Sul á Vila piscatória de Porto Alexandre, onde estive com pessoas Amigas e mais uma vez pude constatar a grandeza incomparável do território angolano nas suas gentes e cidades, Nova Lisboa, (Huambo), Sá da Bandeira, (Namibe) Moçâmedes e no final Porto Alexandre, (Tômbua), cidade esta que fazia da sua frota pesqueira o polo mais importante do seu dia-a-dia. Fazia-me lembrar Matosinhos a minha residência em Portugal com uma indústria similar.
Também nesta área a parte civil ia decorrendo com alguma normalidade, a luta armada ia cada vez mais ficando esquecida, até que chegou o 25 de Abril de 1974, estávamos nós em Ponte de Zadi, junto ao rio com este nome e uma ponte em cimento armado que fazia a ligação na estrada picada até ao BEU.

A partir deste evento que mudou radicalmente todo o contexto militar da guerra Colonial, foram tempos de alívio e ao mesmo tempo de muita cautela e preocupação. A resposta às nossas dúvidas e questões de boa ou ideal resolução do conflito colonial, iam-se revelando de forma sempre inesperada e que culminaram como todos nós sabemos, no processo de Descolonização dos militares de Abril e dos políticos que como por magia apareceram vindos de todos os lados dos seus exílios forçados ou não em especial da Europa…

A minha Companhia saiu de Luanda após rendição do Batalhão…. De avião aterrando de novo no Figo Maduro em Setembro de 1974, poucos dias antes da demissão de António Spínola do Governo dito de Salvação Nacional…
Foi uma experiencia marcante para mim e para os meus companheiros, e que ainda hoje nos fazem refletir de como poderia ter sido diferente o caminho escolhido na Metrópole pelos novos políticos e militares que levaram a cabo o Movimento das Forças Armadas do 25 de Abril.
Mas a História é feita de factos. Não de sonhos ou vontades…



NOTAS: Fotos de variadas situações na minha Comissão. São de perfil mais pessoal, porque não quero ferir suscetibilidades de alguns dos meus Companheiros…
C.Caç.3535- Os Furriéis milicianos da Cª.
Destacamento de Malele, na área operacional de Maquela do Zombo, bem junto á linha da fronteira Norte com o Zaire (atual RDCongo).

Hora do jantar na Messe dos Sargentos…concentração total com os talheres…
Aquartelamento de Ponte de Zadi- A parada e o seu obelisco…

Esta piscina foi construída no início de 1974, após a instalação do abastecimento de água ao quartel, vinda de um poço junto ao Rio Zadi.
Dava para se tomar uns banhos…diferentes! Tudo obra e esforço dos soldados e furriéis!
Outubro de 1972, em Luanda, junto á Marginal, aquando de um estágio de Berliet, em que eu e o meu companheiro da CCS, Lages, participamos durante cerca de um mês. A foto para a posteridade, perante a curiosidade de alguns luandenses…
Outra perspetiva da parada do Aquartelamento de Ponte de Zadi, com o edifício administrativo ao fundo. E o padrão bem saliente e enquadrado.
Um dos meus Cabos Condutores numa ida a Maquela do Zombo. Aqui era a “baixa” de Maquela.
Esta imagem foi tirada por mim, aquando da nossa chegada a Maquela, em Julho de 1973, vindos do Zemba, após dois dias de viagem. A picada estava em bom estado.
Na imagem seguinte um dos grandes sustos que apanhamos: Este acidente por incrível que pareça, não causou feridos! Apenas um grande susto ao seu condutor, e o colega que o acompanhava na cabine que tiveram a felicidade e agilidade de mergulhar e sair bem desta “piscina”, que era o pequeno rio. Iam na sua tarefa de abastecimento de água potável para o quartel de Zadi. Posteriormente o abastecimento foi assegurado com uma instalação de elementos da Engenharia Militar que vieram de Luanda e acabou este pesadelo quase diário… Para retirar a viatura deste local, foi o cabo dos trabalhos…mas lá conseguimos trazê-la para o aquartelamento…!
Esta foto em termos simbólicos ilustra o que mais me afetou em termos de perdas de vidas humanas e de modo imprevisto e trágico! Em Zemba na nossa pista para aeronaves, morreram três pessoas: O Piloto, o nosso Capelão e um 1º Cabo Analista das Águas, que iam de serviço a Luanda! Na fase de levantar voo e já na volta que era usual fazer antes de rumar aos céus, o motor do avião falhou e despenhou-se de imediato ainda na pista, perante o olhar estarrecido dos militares que estavam na pista a assistir á sua partida! Custou muito superar estas baixas…
No RI5 nas Caldas da Rainha no final da Recruta em junho 1971…e a minha (nossa) amiga G3.

No aeroporto de Luanda a aguardar embarque para Maquela.
Jogo de futebol em Zemba entre a CCS e a C-Caç.3535 do Batalhão 3880. Maio 1973
Penalty decisivo. Marcado por mim, por acaso.
Destacamento de Malele, junto á fronteira com Zaire, (atual RDCongo).
O “tocador” e cantador de fados era o tal sargento da Engenharia que veio com a sua equipa de Luanda para montar o sistema de abastecimento de água ao aquartelamento de Ponte de Zadi. Era um militar competente e de bom feitio.
Outra foto desta vez a cores do companheiro Baptista e os outros furriéis, e o 1º, Sargento Carrilho, a usufruírem todos consolados da nossa piscina, novinha em folha… e trabalharam bem para isso.



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JM/NOVEMBRO2014.

Extrato do texto que se baseou para o artigo do CM.