“A minha guerra”… em Angola
Fiz parte do Batalhão de Caçadores 3880/Companhia Caçadores
3535, como Furriel Mecânico. A minha Companhia embarcou no Aeroporto de Lisboa
- Figo Maduro, no princípio da noite do feriado de S.º António, no ano de 1972
na capital lisboeta, a bordo de um Boeing dos TAM, recentemente adquiridos pelo
Governo de Marcelo Caetano e postos ao serviço das Forças Armadas…
No dia seguinte pela manhã, Luanda causou-nos impacto forte
na sua terra de cor vermelha e o casario que se via lá em baixo antes de
aterrarmos. Luanda era uma cidade fervilhante de vida e movimento. Ficamos dois
ou três dias no Grafanil e depois em coluna avançamos para o Aquartelamento de
Zemba em pleno coração dos Dembos, onde estivemos durante treze meses antes de
rodarmos para a fronteira Norte, mais propriamente a zona Operacional de
Maquela do Zombo.
Em termos operacionais no primeiro ano em Zemba, os nossos
operacionais fizeram o seu trabalho de contenção e controlo dos “guerrilheiros”
que naquela zona estes operavam, embora de forma quase dissimulada no nosso dia-a-dia.
A
guerra estava numa fase de impasse e começávamos a ficar cada vez mais
despertos para a resolução deste conflito pela via política, decisão que como
sabemos nunca foi posta em prática por Marcelo Caetano, se calhar muito mal
aconselhado pelos seus colaboradores em Lisboa.
As nossas tropas tinham uma preocupação permanente de tratar
bem as populações que habitavam na zona operacional, sempre que possível e
salvaguardando os níveis de segurança dos nossos militares em ação no terreno.
Não tivemos baixas em combate, (apenas um ferido grave, por ter pisado uma mina
antipessoal), mas um acidente com um TECO - TECO, um pequeno avião que fazia o
reabastecimento de alimentos perecíveis, ao nosso aquartelamento que na sua
queda ao levantar voo da nossa pista junto ao aquartelamento, causou a morte do
piloto, do nosso Capelão e de um militar 1º Cabo Analista das Águas), na ida de
regresso para Luanda!
Na minha área da Mecânica tive a oportunidade de participar
nas colunas de reabastecimento dos materiais auto e conhecer outras vilas e
lugares em que a administração colonial tentava que se vivesse dentro da
normalidade possível. Quibaxe, Vila Viçosa, Quitexe, S.ta Eulalia e depois na
rotação para Norte, Uíge (Carmona), Negaje, Damba e finalmente Maquela do
Zombo, reforçaram a nossa impressão de uma terra em termos geográficos, de
grandeza incomparável com a da “Metrópole”, portuguesa.
De férias no primeiro
ano em Julho de 1973, fui de autocarro desde Luanda até ao Sul á Vila
piscatória de Porto Alexandre, onde estive com pessoas Amigas e mais uma vez
pude constatar a grandeza incomparável do território angolano nas suas gentes e
cidades, Nova Lisboa, (Huambo), Sá da Bandeira, (Namibe) Moçâmedes e no final
Porto Alexandre, (Tômbua), cidade esta que fazia da sua frota pesqueira o polo
mais importante do seu dia-a-dia. Fazia-me lembrar Matosinhos a minha
residência em Portugal com uma indústria similar.
Também nesta área a parte civil ia decorrendo com alguma normalidade, a
luta armada ia cada vez mais ficando esquecida, até que chegou o 25 de Abril de
1974, estávamos nós em Ponte de Zadi, junto ao rio com este nome e uma ponte em
cimento armado que fazia a ligação na estrada picada até ao BEU.
A partir deste evento que mudou radicalmente todo o contexto militar da
guerra Colonial, foram tempos de alívio e ao mesmo tempo de muita cautela e
preocupação. A resposta às nossas dúvidas e questões de boa ou ideal resolução
do conflito colonial, iam-se revelando de forma sempre inesperada e que
culminaram como todos nós sabemos, no processo de Descolonização dos militares
de Abril e dos políticos que como por magia apareceram vindos de todos os lados
dos seus exílios forçados ou não em especial da Europa…
A minha Companhia saiu de Luanda após rendição do Batalhão….
De avião aterrando de novo no Figo Maduro em Setembro de 1974, poucos dias
antes da demissão de António Spínola do Governo dito de Salvação Nacional…
Foi uma experiencia marcante para mim e para os meus
companheiros, e que ainda hoje nos fazem refletir de como poderia ter sido
diferente o caminho escolhido na Metrópole pelos novos políticos e militares que
levaram a cabo o Movimento das Forças Armadas do 25 de Abril.
Mas a História é feita de factos. Não de sonhos ou vontades…
NOTAS: Fotos de variadas situações na minha
Comissão. São de perfil mais pessoal, porque não quero ferir suscetibilidades
de alguns dos meus Companheiros…
C.Caç.3535- Os Furriéis
milicianos da Cª.
Destacamento de
Malele, na área operacional de Maquela do Zombo, bem junto á linha da fronteira
Norte com o Zaire (atual RDCongo).
Hora do jantar na
Messe dos Sargentos…concentração total com os talheres…
Aquartelamento de
Ponte de Zadi- A parada e o seu obelisco…
Esta piscina foi
construída no início de 1974, após a instalação do abastecimento de água ao
quartel, vinda de um poço junto ao Rio Zadi.
Dava para se tomar
uns banhos…diferentes! Tudo obra e esforço dos soldados e furriéis!
Outubro de 1972, em
Luanda, junto á Marginal, aquando de um estágio de Berliet, em que eu e o meu
companheiro da CCS, Lages, participamos durante cerca de um mês. A foto para a
posteridade, perante a curiosidade de alguns luandenses…
Outra perspetiva da
parada do Aquartelamento de Ponte de Zadi, com o edifício administrativo ao
fundo. E o padrão bem saliente e enquadrado.
Um dos meus Cabos Condutores numa ida a Maquela do Zombo.
Aqui era a “baixa” de Maquela.
Esta imagem foi
tirada por mim, aquando da nossa chegada a Maquela, em Julho de 1973, vindos do
Zemba, após dois dias de viagem. A picada estava em bom estado.
Na imagem seguinte um
dos grandes sustos que apanhamos: Este acidente por incrível que pareça, não
causou feridos! Apenas um grande susto ao seu condutor, e o colega que o
acompanhava na cabine que tiveram a felicidade e agilidade de mergulhar e sair
bem desta “piscina”, que era o pequeno rio. Iam na sua tarefa de abastecimento
de água potável para o quartel de Zadi. Posteriormente o abastecimento foi
assegurado com uma instalação de elementos da Engenharia Militar que vieram de
Luanda e acabou este pesadelo quase diário… Para retirar a viatura deste local,
foi o cabo dos trabalhos…mas lá conseguimos trazê-la para o aquartelamento…!
Esta foto em termos
simbólicos ilustra o que mais me afetou em termos de perdas de vidas humanas e de
modo imprevisto e trágico! Em Zemba na nossa pista para aeronaves, morreram três
pessoas: O Piloto, o nosso Capelão e um 1º Cabo Analista das Águas, que iam de
serviço a Luanda! Na fase de levantar voo e já na volta que era usual fazer
antes de rumar aos céus, o motor do avião falhou e despenhou-se de imediato
ainda na pista, perante o olhar estarrecido dos militares que estavam na pista
a assistir á sua partida! Custou muito superar estas baixas…
No aeroporto de
Luanda a aguardar embarque para Maquela.
Jogo de futebol em
Zemba entre a CCS e a C-Caç.3535 do Batalhão 3880. Maio 1973
Penalty decisivo.
Marcado por mim, por acaso.
Destacamento de
Malele, junto á fronteira com Zaire, (atual RDCongo).
O “tocador” e
cantador de fados era o tal sargento da Engenharia que veio com a sua equipa de
Luanda para montar o sistema de abastecimento de água ao aquartelamento de
Ponte de Zadi. Era um militar competente e de bom feitio.
Outra foto desta vez
a cores do companheiro Baptista e os outros furriéis, e o 1º, Sargento Carrilho,
a usufruírem todos consolados da nossa piscina, novinha em folha… e trabalharam
bem para isso.
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JM/NOVEMBRO2014.
Extrato do texto que se baseou para o artigo do CM.