terça-feira, 19 de janeiro de 2016


Cantar é a minha terapia...façam o favor de me ouvirem, neste tema dos Three Doors Down:

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014


“A minha guerra”… em Angola
Fiz parte do Batalhão de Caçadores 3880/Companhia Caçadores 3535, como Furriel Mecânico. A minha Companhia embarcou no Aeroporto de Lisboa - Figo Maduro, no princípio da noite do feriado de S.º António, no ano de 1972 na capital lisboeta, a bordo de um Boeing dos TAM, recentemente adquiridos pelo Governo de Marcelo Caetano e postos ao serviço das Forças Armadas…
No dia seguinte pela manhã, Luanda causou-nos impacto forte na sua terra de cor vermelha e o casario que se via lá em baixo antes de aterrarmos. Luanda era uma cidade fervilhante de vida e movimento. Ficamos dois ou três dias no Grafanil e depois em coluna avançamos para o Aquartelamento de Zemba em pleno coração dos Dembos, onde estivemos durante treze meses antes de rodarmos para a fronteira Norte, mais propriamente a zona Operacional de Maquela do Zombo.

Em termos operacionais no primeiro ano em Zemba, os nossos operacionais fizeram o seu trabalho de contenção e controlo dos “guerrilheiros” que naquela zona estes operavam, embora de forma quase dissimulada no nosso dia-a-dia. A guerra estava numa fase de impasse e começávamos a ficar cada vez mais despertos para a resolução deste conflito pela via política, decisão que como sabemos nunca foi posta em prática por Marcelo Caetano, se calhar muito mal aconselhado pelos seus colaboradores em Lisboa.
As nossas tropas tinham uma preocupação permanente de tratar bem as populações que habitavam na zona operacional, sempre que possível e salvaguardando os níveis de segurança dos nossos militares em ação no terreno. Não tivemos baixas em combate, (apenas um ferido grave, por ter pisado uma mina antipessoal), mas um acidente com um TECO - TECO, um pequeno avião que fazia o reabastecimento de alimentos perecíveis, ao nosso aquartelamento que na sua queda ao levantar voo da nossa pista junto ao aquartelamento, causou a morte do piloto, do nosso Capelão e de um militar 1º Cabo Analista das Águas), na ida de regresso para Luanda!

Na minha área da Mecânica tive a oportunidade de participar nas colunas de reabastecimento dos materiais auto e conhecer outras vilas e lugares em que a administração colonial tentava que se vivesse dentro da normalidade possível. Quibaxe, Vila Viçosa, Quitexe, S.ta Eulalia e depois na rotação para Norte, Uíge (Carmona), Negaje, Damba e finalmente Maquela do Zombo, reforçaram a nossa impressão de uma terra em termos geográficos, de grandeza incomparável com a da “Metrópole”, portuguesa. 

De férias no primeiro ano em Julho de 1973, fui de autocarro desde Luanda até ao Sul á Vila piscatória de Porto Alexandre, onde estive com pessoas Amigas e mais uma vez pude constatar a grandeza incomparável do território angolano nas suas gentes e cidades, Nova Lisboa, (Huambo), Sá da Bandeira, (Namibe) Moçâmedes e no final Porto Alexandre, (Tômbua), cidade esta que fazia da sua frota pesqueira o polo mais importante do seu dia-a-dia. Fazia-me lembrar Matosinhos a minha residência em Portugal com uma indústria similar.
Também nesta área a parte civil ia decorrendo com alguma normalidade, a luta armada ia cada vez mais ficando esquecida, até que chegou o 25 de Abril de 1974, estávamos nós em Ponte de Zadi, junto ao rio com este nome e uma ponte em cimento armado que fazia a ligação na estrada picada até ao BEU.

A partir deste evento que mudou radicalmente todo o contexto militar da guerra Colonial, foram tempos de alívio e ao mesmo tempo de muita cautela e preocupação. A resposta às nossas dúvidas e questões de boa ou ideal resolução do conflito colonial, iam-se revelando de forma sempre inesperada e que culminaram como todos nós sabemos, no processo de Descolonização dos militares de Abril e dos políticos que como por magia apareceram vindos de todos os lados dos seus exílios forçados ou não em especial da Europa…

A minha Companhia saiu de Luanda após rendição do Batalhão…. De avião aterrando de novo no Figo Maduro em Setembro de 1974, poucos dias antes da demissão de António Spínola do Governo dito de Salvação Nacional…
Foi uma experiencia marcante para mim e para os meus companheiros, e que ainda hoje nos fazem refletir de como poderia ter sido diferente o caminho escolhido na Metrópole pelos novos políticos e militares que levaram a cabo o Movimento das Forças Armadas do 25 de Abril.
Mas a História é feita de factos. Não de sonhos ou vontades…



NOTAS: Fotos de variadas situações na minha Comissão. São de perfil mais pessoal, porque não quero ferir suscetibilidades de alguns dos meus Companheiros…
C.Caç.3535- Os Furriéis milicianos da Cª.
Destacamento de Malele, na área operacional de Maquela do Zombo, bem junto á linha da fronteira Norte com o Zaire (atual RDCongo).

Hora do jantar na Messe dos Sargentos…concentração total com os talheres…
Aquartelamento de Ponte de Zadi- A parada e o seu obelisco…

Esta piscina foi construída no início de 1974, após a instalação do abastecimento de água ao quartel, vinda de um poço junto ao Rio Zadi.
Dava para se tomar uns banhos…diferentes! Tudo obra e esforço dos soldados e furriéis!
Outubro de 1972, em Luanda, junto á Marginal, aquando de um estágio de Berliet, em que eu e o meu companheiro da CCS, Lages, participamos durante cerca de um mês. A foto para a posteridade, perante a curiosidade de alguns luandenses…
Outra perspetiva da parada do Aquartelamento de Ponte de Zadi, com o edifício administrativo ao fundo. E o padrão bem saliente e enquadrado.
Um dos meus Cabos Condutores numa ida a Maquela do Zombo. Aqui era a “baixa” de Maquela.
Esta imagem foi tirada por mim, aquando da nossa chegada a Maquela, em Julho de 1973, vindos do Zemba, após dois dias de viagem. A picada estava em bom estado.
Na imagem seguinte um dos grandes sustos que apanhamos: Este acidente por incrível que pareça, não causou feridos! Apenas um grande susto ao seu condutor, e o colega que o acompanhava na cabine que tiveram a felicidade e agilidade de mergulhar e sair bem desta “piscina”, que era o pequeno rio. Iam na sua tarefa de abastecimento de água potável para o quartel de Zadi. Posteriormente o abastecimento foi assegurado com uma instalação de elementos da Engenharia Militar que vieram de Luanda e acabou este pesadelo quase diário… Para retirar a viatura deste local, foi o cabo dos trabalhos…mas lá conseguimos trazê-la para o aquartelamento…!
Esta foto em termos simbólicos ilustra o que mais me afetou em termos de perdas de vidas humanas e de modo imprevisto e trágico! Em Zemba na nossa pista para aeronaves, morreram três pessoas: O Piloto, o nosso Capelão e um 1º Cabo Analista das Águas, que iam de serviço a Luanda! Na fase de levantar voo e já na volta que era usual fazer antes de rumar aos céus, o motor do avião falhou e despenhou-se de imediato ainda na pista, perante o olhar estarrecido dos militares que estavam na pista a assistir á sua partida! Custou muito superar estas baixas…
No RI5 nas Caldas da Rainha no final da Recruta em junho 1971…e a minha (nossa) amiga G3.

No aeroporto de Luanda a aguardar embarque para Maquela.
Jogo de futebol em Zemba entre a CCS e a C-Caç.3535 do Batalhão 3880. Maio 1973
Penalty decisivo. Marcado por mim, por acaso.
Destacamento de Malele, junto á fronteira com Zaire, (atual RDCongo).
O “tocador” e cantador de fados era o tal sargento da Engenharia que veio com a sua equipa de Luanda para montar o sistema de abastecimento de água ao aquartelamento de Ponte de Zadi. Era um militar competente e de bom feitio.
Outra foto desta vez a cores do companheiro Baptista e os outros furriéis, e o 1º, Sargento Carrilho, a usufruírem todos consolados da nossa piscina, novinha em folha… e trabalharam bem para isso.



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JM/NOVEMBRO2014.

Extrato do texto que se baseou para o artigo do CM.

terça-feira, 1 de abril de 2014

AS IMAGENS DA NOSSA HISTÓRIA DE GUERRA...ANGOLA 1972/74 -Parte 2

IMAGENS AINDA EM ZEMBA E POSTERIORMENTE EM MAQUELA DO ZOMBO, PARA ONDE O BATALHÃO 3880 SE DESLOCOU...


 



 
UMA IMAGEM QUE NOS MARCOU MUITO EM ZEMBA AQUANDO DA QUEDA DESTE TECO-TECO, TENDO MORRIDO TRÊS ELEMENTOS, O PILOTO, O CAPELÃO DO BATALHÃO E UM ANALISTA DAS ÁGUAS DA CCS...
 
VISTA DA ESTRADA PRINCIPAL DA VILA DE MAQUELA DO ZOMBO, UMA EXTENSA RETA...
 O AQUARTELAMENTO(VISTA INTERIOR), ONDE ESTAVA A CCS DO BATALHÃO 3880...

 

AS IMAGENS DA NOSSA HISTÓRIA DE GUERRA...ANGOLA 1972/74

AS IMAGENS DA NOSSA HISTÓRIA DE GUERRA...ANGOLA 1972/74- FOTOS DOS MEUS COMPANHEIROS EUSÉBIO GONÇALVES, JOE DE CARVALHO, HONÓRIO MADEIRA, NUMA REVISITA EMOCIONAL ... Começemos por ZEMBA:






Estas paisagens "arrasadoras", colocavam ás nossas reflexões, muitas perguntas, acerca dos verdadeiros motivos porque por ali andávamos...soberania do território, incapacidade do regime da altura, em "ler" o que o futuro nos reservava! Tantas e tantas questões ás quais não nos respondiam!
 
 

domingo, 19 de maio de 2013

ANGOLA ZEMBA- FOTOS ACTUAIS 2013

Por todos estes pormenores que vamos recebendo de companheiros que têm a "felicidade" de por lá passarem, estes locais por Nós calcorreados na Guerra Colonial, permanecem intocaveis, sendo apenas a Mãe Natureza a comandar os seus destinos. Existe um respeito por parte dps Angolanos que por lá moram, que me apraz assinalar!

Seria muito fácil e bem justificado o apagamento total destes sinais a presença das nossas tropas, mas não, respeitam e de certa maneira homenageiam, uma parte da História que também lhes é comum...

Por isso eu revejo com muita emoção e saudade esyes locais, para mim e para os meus Companheiros, locais sagrados, sem saudisismos bacocos... Vamos lá então rever ZEMBA - DEMBOS - ANGOLA

Um até sempre!

sexta-feira, 29 de março de 2013

ANGOLA TERRA DE PRODÍGIOS...

Uma das facetas que Angola nos mostrava, quando começavámos a assentar as ideias e a perceber as potencialidades, comparando instintivamente com a Metrópole, era a sua grandeza territorial e o seu espólio em recursos naturais.
Eu tinha estudado nos livros todas essas riquezas e especificidades, mas uma coisa é ler, outra é ver "in loco", como se comportava o dia a dia de vivência nesta abençoada terra angolana.
Entre um manancial de temas, cito apenas  três temas, para exemplificar:
Primeiro: A sua riqueza do subsolo em minerios da mais variada especie. Um nas Minas de Cobre do Mavoio, perto de Maquela do Zombo e que na altura em que lá chegámos, estavam encerradas por razões de mercado e de segurança.

Segundo:Aconteceu em 1973, quando na Revista semanal "NOTICIAS", que se publicava em Luanda, esta publicação relatava num artigo, que num local perto de Quitexe, um cidadão "descobriu" que a terra do seu terreno onde plantava uma novidades, mostrava uma tonalidade esbranquiçada, e quanto mais cavava, mais uniforme ficava atextura do terreno. Então de que se lembrou o homem? Mandar analisar a terra num laboratório em Luanda, e qual foi o resultado? A terra analisada, revelava um alto teor de pó de talco em proporçoes tão concentardas e puras que o dito cidadão, acabou por vender a concessão da exploração do seu terreno á firma Johnson&Johnson e ficou milionário de um dia para o outro!!!

Terceiro: Nas minhas férias em Julho de 1973, resolvi ficar em Angola e correr o Pais de Norte a Sul a partir de Luanda. A viagem ia até Porto Alexandre (nome actual Tômbua), e passava por Nova Lisboa, Sá da Bandeira e Moçâmedes. Bem eu já tinha ouvido falar da riqueza dos mares angolanos e dos seus recursos piscatórios,(já comprovados por mim e outros companheiros nas esplanadas e marisqueiras de Luanda) mas quando cheguei a Porto Alexandre, fiquei espantado com o número de embarcações de pesca e de fábricas conserveiras e tratamento do pescado.E um número espantoso de moscas a pairar... Fez-me lembrar de imediato a minha cidade de Matosinhos, que na mesma altura ainda tinha em laboração muitas unidades conserveiras. Com a excepção das moscas!
Quando cheguei a Porto Alexandre, sem querer, coincidiu com uma procissão das velas que se efectuava á noite! E os meus Amigos que me esperavam naquela cidade, lá me convidaram a participar e assim, andei por estas ruas de vela na mão, participando  de modo imprevisto nas tradições locais. E constatei uma hospitalidade que nunca mais esqueci!
Era e é, uma terra com um potencial que só por lá passando,ou de preferência vivendo, nos rendemos a sua generosidade e disponibilidade perante o animal Homem! Muitas outras facetas poderiam ser relatadas, esta três mostram como era, como exemplos...
Assim queiram os angolanos em primeiro lugar!

ANGOLA...NATAL DE 1972.A GUERRA VISTA POR DENTRO.

NATAL DE 1972

por Fernando de Sousa Ribeiro, antigo alferes miliciano da Companhia de Caçadores 3535


(...)Estávamos em finais de novembro ou princípios de dezembro de 1972, quando fomos encarregados de realizar uma operação que tinha por finalidade a destruição de lavras que existiam na área do Catoca, na zona de ação da companhia do Mucondo, e que pertenciam à população civil afeta à UPA/FNLA. Para essa operação, foram destacados o primeiro e o segundo grupos de combate da C. Caç. 3535, comandados respetivamente pelo Arrifana e por mim, e ainda o segundo grupo, se não me engano, da C. Caç. 3537, que era comandado pelo Osman. O comandante da operação iria ser o Arrifana.

A execução da destruição das lavras iria estar a cargo de dois grupos de bailundos, que se encontravam às ordens do Exército em Santa Eulália e no Mucondo. A tropa de Zemba levaria consigo os bailundos de Santa Eulália e a tropa do Mucondo levaria os do próprio Mucondo. A nossa função, como militares, iria ser enquadrar e garantir a segurança aos bailundos, enquanto estes destruiriam as culturas agrícolas, munidos de catanas.

Habitualmente, antes da partida para uma qualquer operação, os oficiais que nela participassem costumavam reunir-se para acertar os pormenores sobre a sua execução. Neste caso, os três alferes destacados, Arrifana, Osman e eu, também fizemos uma reunião no Mucondo antes de partirmos para a operação. Logo a abrir, disse o Arrifana:

— Nós não vamos destruir lavras nenhumas. É um crime e eu não quero ser criminoso. Há crianças, há doentes, há mulheres, há muitas pessoas inocentes que não têm culpa de viver numa região em guerra. Nós não temos o direito de causar sofrimento a essas pessoas, obrigando-as a passar fome. Isto é coisa que repugna à minha consciência. Já basta o que sofrem com a própria guerra.

O Osman e eu manifestámos imediatamente o nosso total acordo. Uma coisa era combater homens armados, outra coisa muito diferente era fazer mal de propósito a civis indefesos. Discutimos então o que é que iríamos fazer, em vez de destruir as lavras.

Decidimos que primeiro iríamos às próprias lavras, para que ninguém pudesse dizer que não tínhamos ido ao objetivo. Uma vez lá chegados, separar-nos-íamos e procederíamos a patrulhamentos na zona, procurando detetar sinais sobre eventuais movimentações de guerrilheiros e outros indícios, uma vez que há vários meses que nenhuma força militar tinha andado por aquelas bandas. Iríamos, portanto, atualizar a informação que a tropa tinha sobre a situação na zona do Catoca.

A nossa progressão em direção às lavras decorreu sem qualquer problema. Porém, no preciso momento em que estávamos a chegar, ocorreu um incidente extremamente lamentável, que muito nos perturbou. Numa curva do trilho por onde seguíamos apareceu de repente uma mulher. Vendo que não conseguia escapar-nos, a mulher matou-se, espetando no peito a catana que trazia na mão. Os soldados que estavam mais próximos dela balbuciaram, estupefactos:

— Mas nós não queríamos fazer-lhe mal! Porque é que ela se matou? Porquê? Nós não íamos fazer-lhe mal! Juro que não íamos! Porque é que ela se matou?!

Passados os primeiros momentos de choque, o pessoal passou a manifestar a sua admiração por aquela mulher, exclamando:

— Que grande mulher! Preferiu morrer a deixar-se capturar. É uma heroína! Que grande mulher! Que grande mulher!

Como não se podia fazer nada para remediar a situação, pois a mulher já estava morta, procedeu-se ao seu enterramento e colocou-se uma cruz improvisada à cabeceira da sua sepultura. Os nossos camaradas que eram crentes ainda rezaram uma oração pela sua alma, antes de abandonarmos o local.

Vínhamos todos silenciosos, fortemente impressionados com o sucedido, quando um soldado falou muito alto, dizendo:

— Se a gaja não se matasse, quem a matava era eu!

Uma onda de indignação varreu toda a coluna. Uma chuva de insultos caiu sobre o soldado que tinha falado:

— Ó seu grande filho da puta! Tu eras capaz de matar uma mulher, seu cobardolas de merda?! Grandecíssimo cabrão! Cobarde!

Estes e outros "mimos" foram dirigidos ao soldado, que não voltou a falar. O resto da operação decorreu sem mais incidentes.

Quando, depois de terminada a operação, os dois grupos de combate da 3535 regressaram a Zemba numa coluna de viaturas, tiveram que parar em Santa Eulália para largar os bailundos que tinham ido com eles. Como sempre se fazia quando se parava em Santa Eulália, o comandante da coluna, que neste caso era o Arrifana, foi apresentar-se ao brigadeiro. Este perguntou-lhe quantos hectares de lavras é que tínhamos destruído na operação. O Arrifana respondeu que nenhum. O brigadeiro ficou raivoso, gritando:

— Vocês não destruiram as lavras?! Eu mandei-os lá de propósito para destruir as lavras e vocês não as destruiram? Isto é imperdoável! É uma desobediência! Se há coisa que eu não admito é que não cumpram as minhas ordens! De castigo, vocês vão passar a noite de Natal lá mesmo, naquelas lavras, a comer ração de combate e a dormir ao relento, para aprenderem a cumprir as ordens que lhes dão!

Na madrugada do dia 24 de dezembro, quando subi para uma viatura da coluna que nos levaria ao Mucondo, a fim de nessa noite cumprirmos o castigo ordenado pelo brigadeiro, senti um nó na garganta ao ver os meus homens tristes mas de cabeça levantada, sem um queixume nem uma recriminação. Tive pena e orgulho deles ao mesmo tempo.

Quando chegámos a Santa Eulália, o Arrifana mandou parar a coluna, a fim de ir falar com o brigadeiro e tentar convencê-lo a anular o castigo. Enquanto ele se dirigiu para o gabinete do brigadeiro, eu encaminhei-me para a messe de oficiais da companhia operacional de lá, a Companhia de Artilharia 3415, que era uma companhia sacrificadíssima e pela qual eu tinha muito respeito.

Na messe de oficiais da companhia encontrei o capitão e os alferes muito atarefados a fazer as decorações de Natal. Assim que me viram, exclamaram:

— Que é que estás aqui a fazer?! Hoje é véspera de Natal, não era suposto vocês virem cá. Deviam ficar lá em Zemba a preparar os festejos para logo à noite. Que é que se passa?

Expliquei-lhes que íamos passar o Natal na mata, de castigo por não termos destruido as lavras, por ordem do brigadeiro. Exclamaram:

— Ó pá! Façam como nós! Nós também não destruimos as lavras, mas o brigadeiro pensa que sim...

E passaram a explicar-me como deveríamos fazer:

— Como sabes, a base da alimentação da população desta região é a mandioca. O que se come da mandioca está debaixo da terra, são as raízes. Vocês podem fazer um desbaste na rama das mandioqueiras sem prejudicarem as raízes. Se calhar até lhes faz bem, pois será uma espécie de poda. Não tenham problemas de consciência. Desbastem a rama e espalhem-na toda, para que o brigadeiro possa ver bem, se passar lá por cima de avião. Pode parecer que a destruição é muito grande, mas a verdade é que as raízes continuam intactas debaixo da terra, que é o que interessa.

Continuaram a explicar-me, acrescentando:

— Isto é o que vocês devem fazer à mandioca e a outros tubérculos, como a batata doce. Agora quanto ao milho... Não toquem no milho!!! Se vocês cortarem o milho, ele morre, como é evidente. Vocês só podem cortar o milho quando virem que ele já está maduro. Então sim, cortem à vontade, sem problemas, pois ele acabará mesmo por ser cortado, mais dia menos dia.

Concluiram:

— É assim que nós temos feito e temo-nos dado muito bem com isso. O brigadeiro fica muito contente, porque pensa que as lavras foram destruidas, e nós não temos problemas de consciência, pois não provocamos fome em ninguém. O brigadeiro é militar de carreira, não percebe nada de agricultura...

Enquanto isto acontecia, no gabinete do brigadeiro, o Arrifana tentava convencê-lo a anular o castigo, dizendo-lhe que o castigo era injusto para os soldados. Argumentou:

— O comandante da operação fui eu. Os soldados limitaram-se a cumprir as minhas ordens. Eles não têm culpa nenhuma e será uma injustiça se forem castigados. Se o meu brigadeiro quiser castigar alguém, castigue-me a mim, porque eu é que sou o responsável.

Ao fim de muita insistência, o brigadeiro acabou por anular o castigo, mas exigiu ao Arrifana que lhe prometesse que, numa operação posterior, aquelas lavras iriam mesmo ser destruidas. O Arrifana prometeu e nós pudemos regressar a Zemba, para passar o Natal com o resto da malta, como de facto aconteceu.

As lavras nunca foram destruidas. Pouco tempo depois, o brigadeiro foi substituido por outro e o novo brigadeiro não estava preocupado com lavras. Mas se tivéssemos que voltar à zona do Catoca para destruir as lavras, já sabíamos como haveríamos de fazer...(...)